quinta-feira, 19 de março de 2015

Gênero textual: CONTO

O CONTO E SUAS CARACTERÍSTICAS    


O conto surgiu junto com a civilização humana, pois as pessoas sempre sentiram a necessidade de contar histórias, sejam verdadeiras, sejam imaginárias. Ao longo dos tempos, tivemos primeiramente, as narrativas orais e, depois, as narrativas escritas. Como narrativa oral, ela veio para o Brasil por intermédio dos portugueses e, atualmente, é bem propagada em diversas regiões do país, são as conhecidas “estórias de Trancoso”. Quanto à narrativa escrita, esta surgiu no Brasil durante o Romantismo, porém, os escritores românticos não desenvolveram bem esse tipo de gênero. O primeiro grande contista brasileiro, Machado de Assis, começou a escrever contos no início do Realismo. Podemos definir um conto como uma narrativa de ficção, que possui um universo de seres e fatos ficcionais, com fantasia ou imaginação . Dessa maneira, como todas as obras de ficção, o conto possui: narrador, personagens, ponto de vista e enredo. 

Assim, o conto é a narração de um fato inusitado, mas é possível que faça parte da realidade das pessoas, entretanto, é difícil que tal fato aconteça de forma real. 

A estrutura tipo de texto é simples, isso faz com que seja bem aceito, quer por leitores experientes, quer por iniciantes, uma vez que traz uma linguagem simples, acessível, dinâmica e direta, não se utiliza de alguns recursos mais complexos, como, expressões com pluralidade de sentidos. Além disso, esse gênero não é denso, extenso, que exija um esforço maior do leitor, em nível intelectual, porque é curto, possui uma estrutura curta, sem histórias secundárias, conciso, tudo gira em torno de um único conflito, já que as ações se desenvolvem em torno de um só eixo temático e somente um espaço. 

Em relação às personagens, são poucas e as que existem, ficam envolvidas em uma única ação. Dessa forma, esse texto é uma narrativa linear e curta, tanto em extensão quanto no tempo em que se passa. Como possui uma estrutura curta, poucas personagens, somente um espaço, um conflito e se desenvolve em torno de um único eixo temático, isso leva as ações ao encaminhamento do desfecho. Então, ele possui uma estrutura fechada, desenvolve uma história e tem apenas um clímax. 

A habilidade com as palavras é muito importante, principalmente para se utilizar de alusões ou sugestões, frequentemente presentes nesse tipo de gênero. A respeito de sua publicação, ele quase nunca é publicado isoladamente, assim, na maioria das vezes, ele faz parte de obras maiores. 

Deve salientar que o conto possui grande flexibilidade, o que faz com que ele se aproxime da crônica e da poesia. Resumindo, o gênero conto vem estruturado da seguinte maneira:

→ Possui uma extensão curta, conciso; 
→ Apenas uma linha dramática, pois não há tempo para dispersão da idéia principal, dessa maneira, as ações se encaminham para o desfecho;
→ Em virtude da concisão do conto, o tempo também é curto, então, existe apenas uma linha de encaminhamento temporal. Logo, o recurso do flash back é raro.
→ Quanto ao desfecho, todas as ações desenvolvidas no texto têm o intuito de encaminhar o enredo para o grande final, ora um final enigmático, ora , às vezes, sem final, ou até mesmo sem um desenvolvimento flagrante. 
→ O mais comum, entretanto, é o conto com uma estrutura tradicional, isto é, com início, meio e fim. E esse final deve sempre ser uma surpresa, a resolução de um enigma, a inversão de uma situação que deveria seguir em direção oposta, ou que pareceria sem resolução. 
→ O suspense deve acompanhar todo o texto, já que o objetivo é prender o leitor , então o escritor lhe fornece a cartase – a risada, o susto, a surpresa. 


Vamos ler um conto de Clarice Lispector!

                                 TENTAÇÃO

   Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.
   Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.
   Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.
   Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.
   A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.
 Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.
   Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.
   Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos.
   No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.
   Mas ambos eram comprometidos.
   Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada.
   A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-la dobrar a outra esquina.
   Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás
__________________
Conto extraído de LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

Após ler o texto, responda:


1 Quem são as personagens principais? O que elas têm em comum?

2. O que a menina fazia sentada na porta de casa, às duas horas da tarde?

3. Onde se passa a história? Retire do texto uma frase que apresenta uma característica marcante do cenário.

4.De acordo com o texto, como a menina se sentia em relação a outras pessoas? Retire do texto uma frase para justificar sua resposta.

5. “Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava.” O que a menina suportava?
Indique a alternativa que melhor responde a questão:
(a) a pessoa que esperava o bonde
(b)  a bolsa velha      
(c) o calor e a solidão    
(d) sua mãe

6. “O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida.” Do que a bolsa a salvava?
(a) do calor excessivo
(b) da solidão, já que a bolsa era sua companhia
(c) das brigas com a mãe                    
(d)  do homem que esperava o bonde

7) No texto, quem é o narrador?
( a ) a mãe                                                                              
(b ) alguém presente na história, mas sem participar muito    
(c) alguém que não presente na  históoria
(d) a menina ruiva

8) Retire  do texto um trecho em que se percebe a presença do narrador como personagem.

9) O que o narrador fazia naquele lugar ?

10)Pode-se dizer que o narrador se identifica com a menina? Por quê?

11) O cão basset provoca uma mudança na cena inicial. Qual a reação da menina e do cão quando se veem ?

12) “Mas ambos eram comprometidos.” Segundo o texto, com o que eles eram comprometidos ? O que isso pode significar?

13) Por que o cachorro não olhou para trás?

14) Considerando a reação da menina e do cão quando se encontram e a resposta à questão 12, o  que o título TENTAÇÃO pode indicar?

15) Qual é o tema central do texto?